FHC chega aos 80 anos com revisão do legado político


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso completou 80 anos ontem em meio a uma onda de revisão de seu legado político, administrativo e intelectual, motivada pela declaração da presidente Dilma Rousseff de que o tucano deu "contribuição decisiva" ao desenvolvimento do País. Na última década, FHC teve sua gestão (1995-2002) sob fogo do PT, em especial do sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, que, empenhado em enfraquecer a oposição, decidiu "desconstruir" a imagem e o legado de FHC.

Com Lula fora do poder, cientistas políticos, sociólogos e historiadores ouvidos pelo Estado acreditam que FHC terá sua obra devidamente reconhecida e respaldada pela História. "As críticas ao governo FHC são retórica. Os presidentes que o sucederam copiaram mais do que inovaram. Por exemplo, a presidente Dilma Rousseff, ao propor a privatização dos aeroportos do país, vai pôr em prática uma das lições de liberalismo econômico ensinadas por Fernando Henrique" diz Celso Roma, cientista político da USP.

Foi no exílio no Chile, em 1967, que FHC publicou seu livro mais famoso: Dependência e Desenvolvimento na América Latina. "Houve um momento em que o mundo inteiro debatia a teoria da dependência", diz o cientista político José Arthur Gianotti. "Um legado indiscutível."

"O Fernando sempre teve uma habilidade política muito grande, mesmo na academia. Eu me lembro de dizer: 'Fernando, você é um homo politicus'. Ele conseguia aglutinar e organizar os colegas", diz Leônico Martins Rodrigues, sociólogo da USP e amigo de FHC. Para José Augusto Guilhon de Albuquerque, a maior qualidade de FHC foi a capacidade de agregar pensamento acadêmico ao ativismo partidário: "Essa confluência fez com que ele trouxesse para a política a elite intelectual".

Os cientistas políticos veem no fortalecimento das instituições democráticas um legado que só agora está sendo revisitado. "Os primeiros cinco anos depois da Constituição de 1988 foram muito caóticos. Com o impeachment do ex-presidente (Fernando) Collor em 1992, a fragmentação dos partidos e a posse de Itamar Franco, que não era filiado a nenhuma sigla quando assumiu, parecia que o Brasil tinha fracassado novamente", afirma Jairo Nicolau, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
 

"O FHC fez uma coisa extraordinária: não apenas deu a posse ao Lula, seu grande rival político, quanto criou uma estrutura para a transição, coisa que nunca tinha acontecido na história do Brasil", diz Rodrigues.

"O Lula não encontrou nenhuma herança maldita. É um legado que só está sendo redescoberto agora, até mesmo com a carta de felicitações da presidente Dilma Rousseff", afirma o historiador Marco Antonio Villa. Jairo Nicolau resume: "FHC nos deixou dois legados: um país tem que ter moeda e tem que ter democracia".
 

Comemorações

Líderes tucanos preparam uma grande festa partidária para comemorar o aniversário, no dia 30 de junho, em Brasília. Fernando Henrique disse que preferia apenas uma comemoração, o jantar oferecido por um grupo de amigos neste mês em São Paulo. Mas a cúpula tucana insistiu. E FHC cedeu. O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, decretou em entrevista ao site de revista VEJA em maio: "Posso garantir que Fernando Henrique será muito mais ouvido. O PSDB precisa dar a ele o papel de propor, inspirar e sustentar o nosso discurso."

Neste domingo, FHC será homenageado pela Orquestra Sinfônica de São Paulo (Osesp), que oferece a ele o concerto das 11 horas, com entrada gratuita. Fernando Henrique assiste ao concerto e, após a apresentação, participa de um brunch com os músicos e o público.
 

Os festejos estendem-se até o fim do ano. O Instituto Fernando Henrique, presidido pelo próprio, lançará em agosto o ciclo de seminários FHC 80 anos, sobre temas políticos, sociais e econômicos do Brasil e da América Latina, com palestrantes convidados.

A homenagem em Brasília traz nas entrelinhas um pedido de desculpas da direção do partido pelos oito anos de esquecimento. Foram três derrotas seguidas em eleições presidenciais, sempre com os candidatos Geraldo Alckmin e José Serra renegando a memória de FHC. Em vez de defender as privatizações feitas pelo ex-presidente, Alckmin prestou-se a vestir jaqueta e boné com o logotipo de estatais para dizer que não as privatizaria em 2006. Já Serra citou mais o nome de Luiz Inácio Lula da Silva do que o de Fernando Henrique na campanha de 2010.
 

O cientista político Rui Tavares Maluf, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, explica o motivo de tanto temor. "O PSDB tinha todas as razões do mundo para defender FHC, mas, por cálculo político eleitoral, muita gente não teve coragem de se colocar ao lado dele, pois isso significaria estar contra Lula", diz Tavares Maluf. "Mas foi um erro grave: quem está num partido de oposição precisa assumir o ônus de ser oposição".

Com os tucanos calados, tomou conta do Brasil uma cantilena sobre uma tal herança maldita deixada por FHC. Ou estabilidade econômica virou maldição ou Lula delirava. "Discutir com um interlocutor tão cerebrino quanto Lula seria baixar o nível. Ele não tem limites na argumentação. A conversa fica pouco produtiva", analisa o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB).